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Parte II: Conceito brasileiro para "cidades inteligentes"
A Agenda

2.1. Conceito brasileiro para "cidades inteligentes"

CIDADES INTELIGENTES são cidades comprometidas com o desenvolvimento urbano e a transformação digital sustentáveis, em seus aspectos econômico, ambiental e sociocultural, que atuam de forma planejada, inovadora, inclusiva e em rede, promovem o letramento digital, a governança e a gestão colaborativas e utilizam tecnologias para solucionar problemas concretos, criar oportunidades, oferecer serviços com eficiência, reduzir desigualdades, aumentar a resiliência e melhorar a qualidade de vida de todas as pessoas, garantindo o uso seguro e responsável de dados e das tecnologias da informação e comunicação.

O termo “cidades inteligentes” (“smart cities”) nasceu há cerca de vinte anos. Na época, o setor de TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) começou a perceber as cidades como um grande mercado a ser explorado. Foi quando surgiu a oferta de soluções para melhorar a prestação de serviços urbanos.

O termo foi se popularizando. Passou a ser usado com diferentes sentidos em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Mostrou-se útil para melhorar a visibilidade de alguns projetos e organizações. O tempo passou e o termo evoluiu.

Cidades inteligentes viraram “inteligentes e humanas”, “inteligentes e sustentáveis”, “inteligentes, sustentáveis e humanas” e assim por diante. A escolha de palavras indicava uma disputa nos bastidores. Algumas vezes, “cidades inteligentes” ficava subordinada à agenda mais ampla do desenvolvimento urbano, dando menos espaço às tecnologias de informação e comunicação. Outras vezes, ocorria o contrário.

O campo disciplinar do desenvolvimento urbano no Brasil (a parte “cidades”) muitas vezes rejeitou a discussão ou se ausentou, apesar da força do movimento. A desconexão ocorreu porque o setor não via a agenda histórica de reforma urbana representada no termo e nos debates. Tal cenário acabou deixando o termo mais perto das TICs (a parte “inteligentes”). Isso ocorreu no setor privado e nos diversos níveis de governo.

Assim, a desconexão entre as partes “cidades” e “inteligentes” abriu espaço para as discussões ligadas às TICs crescerem. E a agenda mais ampla de transformação digital nas cidades acabou se limitando aos setores de mobilidade e transportes urbanos, segurança urbana, governo digital, gestão de emergências e desastres.

A agenda de INTERNET DAS COISAS (IOT) delimitou áreas (chamadas “verticais”) consideradas promissoras para o avanço das suas  soluções. Isso ocorreu com as áreas da saúde, educação, agricultura e com as cidades. Acabou por associar o termo e a agenda de “cidades inteligentes” a ambientes altamente conectados.

INTERNET DAS COISAS (IOT) é a infraestrutura que interconecta objetos de diferentes usos (coisas) à rede digital para prestar serviços na vida cotidiana, na indústria, nos setores urbanos, etc. Os objetos usam sensores e softwares eletrônicos para coletar e transmitir dados pela internet (Plano Nacional de Internet das Coisas).

A vertical de “cidades inteligentes” foi impulsionada por iniciativas de iluminação pública urbana. Esse tema ganhou espaço após a Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública – COSIP1 entrar na Constituição. Prestar serviço de iluminação pública passou a significar implementar e operar uma rede de postes e cabos que também pode receber sensores. Forma-se uma malha “inteligente” (“smart grid”) com potencial de atender toda a cidade.

Tantas perspectivas e visões dificultaram um debate sobre “cidades inteligentes” que fosse amplo, para além de cada nicho de atuação. Conceitos, linguagem e vocabulário de diferentes campos disciplinares formaram barreiras para o entendimento mútuo e, consequentemente, de interação frutífera.

Órgãos públicos em todos os níveis de governo vêm trabalhando no tema a partir de concepções particulares, derivadas das inúmeras iniciativas classificadas como “projetos de cidades inteligentes”. O ambiente governamental também é afetado pelo caráter variável do termo “cidades inteligentes”. É comum o termo ser questionado, ressignificado ou super adjetivado.

As pessoas e instituições que contribuíram para a construção da Carta levaram em conta todas essas questões. Elas também reconheceram a importância de existir um conceito unificador para estruturar as atuações. Um conceito que seja capaz de lidar com a complexidade da transformação digital nas cidades.

Assim, o grupo propôs uma visão ampliada e uma definição curta para o conceito “CIDADES INTELIGENTES”. A visão ampliada dialoga com a complexidade e a particularidade dos diferentes territórios – está no texto que abre esta Carta (leia na págs 05 - 08). Aqui, apresentamos a definição curta. Ela expressa de forma compactada os valores essenciais de uma “cidade inteligente” no contexto brasileiro.

O conceito brasileiro de “cidades inteligentes” pode ser complementado pelos conceitos auxiliares de TRANSFORMAÇÃO DIGITAL SUSTENTÁVEL e “DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL”:

TRANSFORMAÇÃO DIGITAL SUSTENTÁVEL é o processo de adoção responsável de tecnologias da informação e comunicação, baseado na ética digital e orientado para o bem comum, compreendendo a segurança cibernética e a transparência na utilização de dados, informações, algoritmos e dispositivos, a disponibilização de dados e códigos abertos, acessíveis a todas as pessoas, a proteção geral de dados pessoais, o letramento e a inclusão digitais, de forma adequada e respeitosa em relação às características socioculturais, econômicas, urbanas, ambientais e político-institucionais específicas de cada território, à conservação dos recursos naturais e das condições de saúde das pessoas.

DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL é o processo de ocupação urbana orientada para o bem comum e para a redução de desigualdades, que equilibra as necessidades sociais, dinamiza a cultura, valoriza e fortalece identidades, utiliza de forma responsável os recursos naturais, tecnológicos, urbanos e financeiros, e promove o desenvolvimento econômico local, impulsionando a criação de oportunidades na diversidade e a inclusão social, produtiva e espacial de todas as pessoas, da presente e das futuras gerações, por meio da distribuição equitativa de infraestrutura, espaços públicos, bens e serviços urbanos e do adequado ordenamento do uso e da ocupação do solo em diferentes contextos e escalas territoriais, com respeito a pactos sociopolíticos estabelecidos em arenas democráticas de governança colaborativa.