A Carta Brasileira para Cidades Inteligentes foi feita coletivamente por gente de vários setores da sociedade. O objetivo é ajudar o Brasil a dar um passo firme rumo a cidades melhores para as pessoas.
As cidades são polos de desenvolvimento econômico e têm grande responsabilidade com o bem-estar da população. Concentram grande parte das ofertas de trabalho, educação, equipamentos culturais, serviços públicos e privados.
Essas características fazem com que o mundo de hoje enfrente o desafio de gerar e distribuir os benefícios e as oportunidades que vêm com a urbanização. Só assim será possível garantir qualidade de vida a todas as pessoas que vivem e precisam do meio urbano. Nesse contexto, entende-se que as cidades e os governos locais têm um papel decisivo na mobilização global pelo DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, que alcance toda a humanidade.
“O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL é o desenvolvimento que atende as necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades.”
ONU/Comissão Brundtland, Relatório “Nosso Futuro Comum”.
“Não deixar ninguém para trás” é o lema da AGENDA 2030 PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. A NOVA AGENDA URBANA (NAU) assumiu o mesmo lema para ações em cidades e assentamentos urbanos. Ambas são acordos internacionais.
A AGENDA 2030 foi aprovada em 2015 pela Assembleia Geral da Nações Unidas (ONU). Estrutura-se em 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Entre eles, está o Objetivo 11 – “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”.
A NOVA AGENDA URBANA (NAU) – Declaração de Quito sobre Cidades e Assentamentos Urbanos para Todos foi aprovada em 2016 na Conferência das Nações Unidas para Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III). Além da Agenda 2030, a NAU incorpora outros acordos internacionais, tais como: Acordo de Paris no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês) e Agenda de Ação de Adis Abeba da Terceira Conferência Internacional sobre o Financiamento para o Desenvolvimento.
Os países que assinam acordos se comprometem a implementar as decisões, respeitando as realidades nacionais. Quando o Brasil assinou a NAU, prometeu que adotaria uma abordagem de cidade inteligente. Esta Carta é uma ação concreta nesse sentido.
REDUZIR DESIGUALDADES, ATENDER A
DIVERSIDADE E AMPLIAR O ACESSO À CIDADE
Cerca de 85% da população brasileira mora em áreas urbanas, e cada uma dessas áreas possui características próprias. Além da grande diversidade territorial, as nossas cidades são marcadas por desigualdades socioeconômicas e espaciais (bairros ocupados por pessoas mais pobres geralmente têm piores condições de vida do que outros) de origem histórica.
O termo “diversidade territorial” inclui tudo o que faz uma cidade ser diferente de outra. Por exemplo:
- Porte populacional
(quantidade de pessoas que moram na cidade); - Relações com outras cidades
(oferta de serviços, emprego e mão-de-obra); - Localização;
- Clima;
- Patrimônio cultural;
- Patrimônio natural;
- Biomas
(conjuntos de ecossistemas); - Matriz produtiva
(estrutura da produção econômica e relações entre diferentes setores, por exemplo, alguns municípios têm a
economia movimentada pelo turismo; outros, pelo comércio; outros, por negócios financeiros); - Relações sociopolíticas;
- Capacidades administrativas.
Já as desigualdades socioeconômicas e espaciais são frutos estruturais da forma como o país se desenvolveu e foi ocupado. Ou seja, resultam de ações que ocorreram há décadas e séculos. Aparecem de muitas formas e em muitos níveis no território. Aparecem no desequilíbrio da rede urbana (municípios muito distantes e outros muito próximos ou concentrando oportunidades, bens e serviços especializados), nas pequenas localidades isoladas e nos municípios brasileiros de difícil cesso. Mas também aparecem nos bairros periféricos e nos núcleos urbanos informais das grandes cidades.
PNDR e PNDU: Reduzir as desigualdades entre regiões e dentro das regiões é o foco da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR, Decreto 9.810/2019). Já a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) tem como foco a redução de desigualdades intermunicipais (entre municípios), intramunicipais (entre áreas dentro dos municípios) e intraurbanas (dentro da mancha urbana). Ambas assumem o compromisso de fortalecer a rede urbana brasileira (conjunto de relações hierárquicas e funcionais entre as cidades brasileira), para promover uma melhor distribuição de oportunidade, bens e serviços e incentivar processos de desenvolvimento que sejam inclusivos e sustentáveis.
Em maior ou menor grau, todas as nossas cidades sofrem com desigualdades no acesso a oportunidades, bens e serviços. Isso afeta especialmente a vida de pessoas e grupos sociais que são vulneráveis: pessoas com deficiência, pessoas de baixa renda, pessoas LGBTQIA+, mulheres, pessoas pretas, pessoas idosas, jovens e crianças.
As desigualdades impedem que essas pessoas e grupos sociais exerçam o seu pleno DIREITO A CIDADES SUSTENTÁVEIS. A legislação brasileira define o termo assim: “o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações” (Estatuto da Cidade).
Na política urbana brasileira, “não deixar ninguém para trás” é o mesmo que dizer “garantir o direito a cidades sustentáveis para todas as pessoas”. Isso significa: (1) comprometer-se a reduzir desigualdades históricas que prejudicam o acesso de pessoas e grupos sociais vulneráveis a oportunidades, bens e serviços; (2) estruturar ações adequadas à ampla diversidade territorial do país, de forma a “não deixar nenhum município para trás”.
As iniciativas brasileiras de “CIDADES INTELIGENTES” são ações de política urbana. Então, devem adotar a mesma visão. Na página 28 desta Carta há informações detalhadas sobre o conceito de cidades inteligentes.
TRANSFORMAÇÃO DIGITAL, EXCLUSÃO DIGITAL E O POTENCIAL DE MELHORAR A SOCIEDADE
As discussões e iniciativas de “cidades inteligentes” surgem em plena época de TRANSFORMAÇÃO DIGITAL. Tudo está mudando: vida cotidiana, negócios, organizações públicas e privadas, dinâmicas e territórios. A ação política (formulação de políticas públicas, processos participativos, formas de tomada de decisão etc.) também mudou. A porta de entrada desse novo mundo é a conectividade digital, ou seja, o acesso à tecnologias digitais com qualidade.
TRANSFORMAÇÃO DIGITAL é o fenômeno histórico de mudança cultural provocada pelo uso disseminado das tecnologias de informação e comunicação (TICs) nas práticas sociais, ambientais, políticas e econômicas. A transformação digital provoca uma grande mudança cultural, inédita, rápida e difícil de entender na sua totalidade. Afeta mentalidades e comportamentos nas organizações, governos, empresas e na sociedade de forma geral.
(Leia o conceito de transformação digital sustentável na pág. 29)
Muitos fatores prejudicam o pleno direito à conectividade digital. Por exemplo: distribuição da infraestrutura para inclusão digital, custos, diferentes capacidades de acesso e interação com dispositivos digitais e diferentes capacidades para compreender como a internet funciona. Esses fatores impactam cada vez mais as desigualdades socioeconômicas e espaciais.
Na era digital, o direito a cidades sustentáveis também está condicionado ao direito de acesso à internet (Marco Civil da Internet no Brasil). ssa é a visão que esta Carta assume para apresentar ao país uma agenda brasileira para “cidades inteligentes”.
A Carta também assume uma perspectiva ampla da transformação digital nas cidades. Nessa perspectiva, é preciso compreender quais são as mudanças impostas ao espaço urbano pela digitalização e de que formas o espaço urbano responde a essas mudanças. É preciso entender como as novas relações vêm confundindo os próprios conceitos e fronteiras do urbano. E, principalmente, é preciso entender os diferentes aspectos da EXCLUSÃO DIGITAL.
EXCLUSÃO DIGITAL: Em 2019, havia 28% de domicílios brasileiros sem conexão à internet. Metade deles tinha renda de até 1 salário mínimo. Os dados por território mostram como a desigualdade socioespacial também resulta em exclusão digital, em várias escalas. A região Nordeste tinha proporcionalmente menos domicílios com acesso à internet (35% sem acesso à internet) e a região Sudeste era a mais conectada (25% sem acesso à internet). Mesmo sendo a mais conectada, a maior parte (80%) dos domicílios sem conexão da região Sudeste eram predominantemente sem renda (3%) ou de baixa renda (77%). Quase metade (48%) dos domicílios rurais não tinham conexão, comparados com 25% dos domicílios situados em áreas urbanas. Quanto ao tipo de conexão, na região Norte predomina a conexão móvel via modem ou chip 3G/4G. Lá, 74% dos domicílios com renda acima de 10 salários mínimos tinham conexão por banda larga fixa. Por outro lado, 54% dos domicílios com renda até 3 salários mínimos acessavam a internet por conexão móvel que, em geral, podem apresentar problemas de instabilidade, franquias e limites de navegação.
(Dados do Cetic.br, TIC Domicílios, 2019).
A transformação digital pode gerar impactos positivos ou desafios, dependendo do contexto. A realidade de cada lugar também influencia no potencial de uso das TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO. É preciso, portanto, considerar a ampla diversidade e as profundas desigualdades históricas que marcam nosso território ao agir e refletir sobre a transformação digital. Só assim será possível que a transformação digital nas cidades brasileiras seja positiva e sustentável.
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO é o conjunto de ferramentas e recursos tecnológicos (hardware, software, rede) que permite às pessoas acessar, armazenar, transmitir e manipular informações.
(Baseado no conceito da Unesco).
Nós, Comunidade da Carta Brasileira para Cidades Inteligentes, acreditamos no potencial das tecnologias da informação e comunicação para transformar positivamente as cidades brasileiras. Mas, para isso ocorrer, é preciso considerar a diversidade territorial do país.